Como o saque das contas inativas fez crescer as denúncias de fraude no FGTS
A corrida aos bancos para sacar o saldo das contas inativas do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) está revelando milhares de irregularidades cometidas por empregadores contra seus empregados.
A queixa mais comum é a de que o dinheiro do fundo simplesmente não existe. Assim, pessoas que durante anos trabalharam com carteira assinada descobrem que não têm o que sacar, pois seus empregadores não fizeram os depósitos correspondentes.
Esse tipo de descoberta já acontecia antes. Porém, como as regras para o saque sempre foram muito restritivas — como em caso de compra de imóvel, casos de câncer, HIV e demissão sem justa causa — as queixas eram relativamente mais baixas, e as descobertas de fraudes, paulatinas.
Agora, com a iniciativa do governo de flexibilizar as normas para o saque das contas inativas, o número de queixas cresceu 43%.
Como o fundo é composto?
O Fundo de Garantia funciona como uma poupança na qual o empregador deposita mensalmente o correspondente a 8% do valor do salário do empregado que tenha registro em carteira.
Até agora, o saque desse dinheiro era restrito a casos muito específicos. O mais conhecido deles é a compra de casa própria. Porém, uma Medida Provisória de 2016 liberou o acesso dos trabalhadores a essas contas, sob regras mais flexíveis.
Qual o tamanho do problema?
Pelo menos 200 mil empresas devem hoje R$ 24,5 bilhões à União, por depósitos não realizados no Fundo de Garantia de seus empregados, segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Esse número corresponde a dívidas que perduram por anos, e que já estão sendo cobradas na Justiça.
A novidade agora é o crescimento das queixas “no varejo” — quando os próprios trabalhadores descobrem que os depósitos não foram feitos e apresentam queixa pessoalmente ou por meio de seus sindicatos no Ministério do Trabalho, antes que esses valores passem a constar na dívida ativa da União.
Com a liberação do saque das contas inativas, milhares de trabalhadores se deram conta da inadimplência das empresas onde trabalhavam.
Só entre 23 de dezembro de 2016 e 15 de março de 2017, o Ministério do Trabalho registrou 6.934 queixas de trabalhadores. No mesmo período do ano anterior (2015/2016) esse número havia sido de 4.831.
43%
foi o aumento do número de queixas sobre o FGTS feitas de dezembro de 2016 a março de 2017, em relação ao mesmo período anterior (dezembro de 2015 a março de 2016)
O saque do FGTS está sendo feita de maneira escalonada. Por isso, a revelação dos problemas, que já são muitos, pode crescer ainda mais até o fim do ano. Desde o dia 10 de março, o saque está liberado apenas para os trabalhadores que fazem aniversário nos meses de janeiro e fevereiro. A partir de 10 de abril, sacam os que nasceram nos meses de março e abril. O calendário segue assim, mês a mês, até o fim de 2017. À medida que o calendário de saque avança, mais problemas podem surgir. Por enquanto, São Paulo lidera a lista de queixas por Estado, com 1.945 casos. Em segundo lugar, está o Rio de Janeiro, com 452. >>>>>>>>>> Por que o saque foi liberado agora
O saque das contas inativas foi uma iniciativa da equipe econômica do presidente Michel Temer para aumentar o crédito e aquecer a economia.
Ele foi autorizado pela Medida Provisória 763/16. A ideia é que o aumento da liquidez (disponibilidade de dinheiro em mãos) aumente o consumo de bens e serviços, fazendo crescer também a produção e o emprego, gerando um ciclo virtuoso na economia.
A expectativa é que passem a circular R$ 48,2 bilhões no mercado, o que equivale a 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
O que fazer quando há irregularidade?
Ao Nexo, a advogada trabalhista Jamile Vieira diz que caso o trabalhador suspeite de alguma irregularidade no depósito de seu Fundo de Garantia, ele pode, primeiro, tentar contato com a empresa para que o depósito seja feito amigavelmente.
Caso não seja possível, diz Vieira, o trabalhador deve, por meio de um advogado contratado ou do sindicato da categoria, acionar a empresa na Justiça do Trabalho. Mesmo que ela não exista mais, a Justiça pode cobrar os antigos proprietários, para que o ex-empregado tenha seus direitos garantidos.
Além disso, o trabalhador pode procurar um posto do Ministério do Trabalho, levando consigo a Carteira de Trabalho e o extrato da conta, que pode ser fornecido pela Caixa Econômica.
Paralelamente, pode ser feita uma denúncia no Ministério Público do Trabalho. Caso se constate uma irregularidade, a empresa deve pagar o que deve, além de arcar com multas e de correr o risco de ser incluída no Cadastro Nacional de Devedores Trabalhistas, o que a impede, por exemplo, de participar de licitações públicas.
ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto afirmava que o trabalhador pode entrar na Justiça comum com uma ação por danos morais e materiais contra os antigos patrões que não realizaram os depósitos do FGTS. Há, porém, decisões de tribunais segundo as quais a ausência do depósito não configura esses danos. A informação foi corrigida às 17h44 de 28 de março de 2017.
Fonte: Nexo Jornal, por João Paulo Charleaux, 28.03.2017