Danos à saúde mental de funcionários podem motivar indenizações
Empresa continua responsável em homeoffice; Previdência pode cobrar ressarcimento de auxílio-doença
Além de serem responsáveis pela saúde física dos empregados, as empresas também podem ser condenadas na Justiça por causar ou agravar a saúde mental dos funcionários. De um lado, o Judiciário pode condenar as empresas a pagar ao trabalhador indenizações por danos morais e físicos, decorrentes do transtorno mental em si e dos custos com tratamento. De outro, a Previdência Social pode cobrar que a empresa reembolse o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) pelo auxílio-doença pago durante o afastamento decorrente de um problema causado pela companhia.
O professor Ricardo Calcini, do centro universitário Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), alerta que a empresa continua responsável pela saúde mental dos empregados durante a pandemia ainda que os funcionários trabalhem em regime de teletrabalho. No período em que o ambiente de trabalho migrou do escritório para casa, a lei define que a empresa deve orientar e auxiliar os funcionários a adotar medidas necessárias para evitar doenças mentais ou físicas, originárias do trabalho exercido de forma irregular.
“No escritório o funcionário tinha contato com pares e orientação do superior. Em casa a pessoa se vê sozinha, sendo cobrada com mais metas, e fala para a empresa que não está se sentindo bem. Se a empresa não fizer nada, disser que o problema é do funcionário, que todos estamos passando por isso, que ele que se vire para procurar um psicólogo, pode atrair a responsabilidade pela doença”, afirmou.
Nesse sentido, a sócia trabalhista do escritório Costa Tavares Paes, a advogada Cristina Buchignani, salienta que para a empresa ser responsabilizada o trabalhador deve comprovar um vínculo de causa e efeito entre o transtorno mental e o ambiente de trabalho. “Existem pessoas mais sensíveis psicologicamente às pressões a que estão expostas nesse momento, mas a pandemia não altera a disciplina jurídica sobre o assunto, deve existir efetivamente a caracterização”, afirmou.
Provas de que empresa causou dano
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a juíza Noêmia Garcia Porto, afirmou que mesmo antes da pandemia o assunto da saúde mental vinha crescendo muito na Justiça do Trabalho. “Há uma profunda dificuldade da prova em juízo, existia antes e agora existe também. Mas é viável, muitos médicos do trabalho são especializados em psiquiatria e sociologia do trabalho. Eles conseguem identificar nos modos de produção e gestão mecanismos que podem potencializar sofrimentos”, afirmou.
Entre os transtornos mais comuns, Porto citou burnout e síndrome do pânico. Entre doenças físicas com forte conotação emocional, há inflamações nos membros superiores decorrentes de movimentos repetitivos, que podem ser associados à elevada exigência de produtividade e cobranças exacerbadas sob pressão.
Segundo Buchignani, geralmente a prova mais comum nesse tipo de processo é uma perícia técnica, feita por um médico para avaliar a condição do empregado e a relação dos sintomas com o ambiente de trabalho. Se o funcionário alegar que o problema também foi causado por assédio por parte de superiores, de maneira geral a comprovação é feita por meio de testemunhas.
Saúde mental e Previdência
O vice-presidente do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS) e mestre em Prevenção de Riscos Laborais, o procurador federal Fernando destacou outro tipo de risco financeiro a que as empresas estão sujeitas. Caso a Justiça entenda que a empresa é responsável por causar ou agravar o transtorno mental sofrido pelo funcionário, a Previdência pode ajuizar uma ação de regresso para cobrar um ressarcimento pelos valores gastos em auxílio-doença.
Em casos de afastamento, seja por doença física ou mental, a empresa paga o salário do funcionário até o 15º dia. A partir do 16º dia fora das funções, é o INSS quem custeia o salário, de forma que o empregado se torna beneficiário do auxílio-doença. Nesse sentido, se a empresa for condenada pelo transtorno mental, o INSS argumenta que quem provocou o afastamento foi a companhia, e portanto a empresa deve ressarcir os cofres públicos pelos gastos.
“Doenças ocupacionais geram muitas consequências trabalhistas. Durante o afastamento a empresa vai ter que contratar outros funcionários para fazer o trabalho dele naquele período e fica sujeita a pagar indenização por danos morais ou até mesmo por direito à desconexão – isto é, não ser importunado com demandas no final de semana ou em uma jornada excessiva”, destacou.
Transtornos mentais correspondem ao terceiro motivo mais comum de afastamento do trabalho no Brasil, segundo dados de 2019 divulgados pela Previdência Social. Do total de benefícios de auxílio-doença concedidos no ano passado, 9,6% tinham como causa transtornos mentais ou comportamentais – percentual que supera os afastamentos decorrentes de tumores e problemas no aparelho digestivo.
Em termos de número de afastamentos, os problemas de saúde mental só perdem para lesões – como traumatismo, fraturas, luxações e ferimentos – e problemas osteomusculares e nas articulações – a exemplo de artrite, artrose, osteoporose e escoliose. Respectivamente, as lesões e os problemas osteomusculares correspondem a 17,4% e 24,3% das motivações para concessão do auxílio-doença.
Fonte: JOTA, por Jamile Racanicci, 02.06.2020