Trabalho infantil atinge 554 mil crianças e tem 1ª alta na década

As mãos têm calos rígidos, formados por anos carregando peso. A pele do rosto –fina, sem pelos– denuncia, contudo, a pouca idade.

M.S., 13, é vendedor ambulante no centro do Rio. Desde os sete anos, trabalha em terminais de ônibus, vendendo balas e biscoitos. O garoto é uma das 554 mil crianças que trabalhavam no ano passado no Brasil.

Segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), divulgada nesta sexta-feira (13) pelo IBGE, o número de pessoas com idade entre 5 e 13 anos trabalhando subiu 9,48% em 2014, frente a 2013, quando eram 506 mil menores nessa condição.

É a primeira alta no indicador de trabalho infantil no Brasil em uma década. O número vinha em queda desde o início da série histórica da pesquisa, em 2004, quando o número de crianças trabalhando nessa faixa etária era de 2,4 milhões. Na passagem de 2013 para 2014, houve aumento de 48 mil crianças nessa situação.

A legislação brasileira proíbe qualquer tipo de trabalho de crianças até 13 anos de idade. A partir dos 14 anos, o trabalho é permitido como aprendiz, com jornada reduzida, sem ser em postos insalubres ou perigosos, e desde que estejam na escola.

De acordo com a secretária executiva do FNPETI (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), Isa Oliveira, a reversão da tendência de queda no indicador é preocupante.

Mantidas as condições atuais da economia, com perda de renda do trabalho e desemprego em alta, é de se esperar que esse indicador esteja ainda maior em 2015.

“Crianças que trabalham desde cedo têm cada vez menos chance de se tornarem adultos provedores de suas famílias. Esse número é uma tragédia e expõe a falta de cuidado do poder público em proteger as crianças, que têm o direito constitucional de ir à escola e de não trabalhar antes da idade correta”, afirmou.

Oliveira explica que o trabalho infantil é um dos maiores fatores de evasão escolar no país. A pesquisa do IBGE apontou estabilidade na presença de crianças dessa faixa etária nas escola –de 97,8% em 2013 para 98,9% em 2014.

Segundo ela, mesmo os programas de transferência de renda não garantem a erradicação do trabalho infantil. O Bolsa Família, por exemplo, exige que os filhos dos beneficiários frequentem a escola, mas não diz nada a respeito de trabalho e estudo simultâneo.

É o caso de M.S., que estuda antes de trabalhar das 13h às 21h no centro do Rio. “Consigo ganhar R$ 500 nas vendas por mês. Fico com R$ 200 e entrego o restante para o dono da mercadoria”, diz, inclinando a cabeça na direção de um homem na faixa dos 40, que o chama assim que percebe a reportagem.

Morador de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, M.S. começa o dia às 4h30 da manhã. “Pego o ônibus das 5h e às 7h já estou na escola, aqui no centro. Estudo na quarta série. À tarde, venho para o trabalho. Almoço uma quentinha. Gosto de trabalhar”, diz.

Diariamente, por oito horas, os ombros do corpo franzino servem de apoio para dois ganchos que carregam cada cinco quilos de doces e biscoitos. “Vai levar dois amendoins por um real, cinco é dois”, anuncia a passageiros que, indiferentes a sua presença, sobem em um ônibus.

Filho de uma cabeleireira, herdou a profissão do pai, que o ensinou a contar antes de aprender a ler. “Aprendi a contar troco aos seis anos. Ler, depois”, disse. Apesar da rotina, M.S. diz que faz o que gosta. “Final de semana não trabalho. Descanso, assisto TV”.

Segundo Oliveira, do FNPETI, há uma percepção errada da sociedade que os jovens pobres que trabalham estão mais longe da criminalidade. “Lugar de criança é na escola e não trabalhando. Estudos mostram que o aproveitamento escolar de uma criança que estuda é 12 pontos percentuais abaixo do que uma que só estuda”, disse.

A Pnad 2014 mostrou ainda que, pela primeira vez desde 2006, houve aumento na quantidade de crianças entre cinco e 17 anos que trabalham no Brasil. Eram 3,1 milhões nessa condição em 2013 e no ano seguinte, 3,3 milhões, alta de 4,4%. Na passagem de um ano para o outro, 148 mil menores passaram a trabalhar.

Das crianças nessa faixa, 62% atuam no campo e 45,6% são sequer remuneradas. De acordo com o IBGE, 96,8% estudam, a despeito de trabalhar.

Fonte: Folha de São Paulo, por Lucas Vettorazzo, Bruna Fantti e Bruno Villas Bôas, 13.11.2015

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