A reforma trabalhista pintada por Tarsila do Amaral

Podemos dizer que a classe trabalhadora virou o Abaporu de cabeça para baixo, impondo uma vitória de baixo para cima?

A cabeça pensante que se apequena diante de um corpo imenso que trabalha. O corpo explorado que sente necessidade de se agigantar diante de uma mente que dita as regras. O trabalho braçal em oposição ao trabalho intelectual que ultrapassa fronteiras geográficas. À medida que um artista oferece sua arte para deleite e contemplação (e até selfies), surge a retribuição em forma múltipla de interpretação. Meu Abaporu, minha compreensão.

Recentemente o Museu de Arte de São Paulo (MASP) recebeu uma exposição em homenagem à artista brasileira Tarsila do Amaral. Um aglomerado de visitantes bateu recorde em visita àquele Museu. Tarsila do Amaral com sua obra de arte mais famosa nos faz refletir sobre diversos aspectos da sociedade brasileira, por exemplo, a questão envolvendo as relações de trabalho.

O ser humano, correspondente ao brasileiro representado pelo quadro, assume formas corporais avantajadas em relação à sua cabeça. Essas formas corporais tratam do trabalhador braçal, a maioria no país. Por outro lado, a cabeça miúda que se distancia daquele corpo, é minoria, mas ocupa um papel central, determinante ao destino daquele corpo animalesco. Meu Abaporu, meu Rodin à brasileira.

O conflito permanente que envolve as forças de trabalho, empregado e patrão, não se desfez com a reforma trabalhista de 2017. As leis trabalhistas já não correspondiam (e continuam não correspondendo a realidades contemporâneas). Por outro lado, direitos mínimos não se excluem à medida que a máquina substitui o homem. As dezenas de ações judiciais que tramitam no Supremo Tribunal Federal evidenciam que a disputa pelos mais diversos direitos, obrigações e autonomias é uma constante na história da humanidade. E isto, diga-se de passagem, fenômeno presente na obra antropofágica de Tarsila do Amaral.

Dissenso em muitos pontos, a necessidade de mudança na seara das leis trabalhistas obrigará o STF a definir, por exemplo, a (in)constitucionalidade de pagamento de honorários advocatícios pelo empregado, trabalho intermitente, tabelamento de danos morais bem como correção de créditos trabalhistas. Enquanto isto, à espera de uma decisão da Corte Suprema, o número de ações trabalhistas reduz significativamente, segundo dados do TST.

Aqui, uma conclusão salta aos olhos: se o questionamento de um texto de lei é tão expressivo no STF, a quem cabe dizer o direito em último caso, inclusive em matéria trabalhista conforme decidiu recentemente o TST, é que algo foi reformado, mas não foi absorvido, incorporado, aceitado.

Declarados inconstitucionais os mais diversos pontos da reforma trabalhista, segundo o STF, podemos dizer que a reforma trabalhista é um Abaporu em movimento de antropoemia que necessita vomitar regras impostas de cima para baixo, da cabeça para os pés, em uma sociedade que não viu o número de empregos subir, decorrente exclusivamente da reforma realizada.

Se se vingar a tese da inconstitucionalidade de pontos-chave da reforma trabalhista, podemos dizer que a classe trabalhadora virou o Abaporu de cabeça para baixo, impondo uma vitória de baixo para cima? O Abaporu de releitura do STF servirá inclusive para o rascunho de ações constitucionais que tramitarão na Corte em relação à futura reforma da previdência no país.

É aguardar as decisões do STF e então dirão patrões e empregados. Meu Abaporu, meus direitos.

(*) Diego Pereira é graduado em Direito pela UFBa (2012), pós-graduado em direito público (2013). Mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB (2018). É Procurador Federal (AGU) e autor da obra Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Juris, 2018).

Fonte: JOTA, por Diego Pereira (*), 19.08.2019

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