Gestores têm papel fundamental na luta pela inclusão racial
Um consultor muito experiente e respeitado no mercado agendou uma reunião com o vice-presidente de uma multinacional na sede da empresa, em São Paulo.
Quando chegou à portaria, o consultor se apresentou e foi autorizado a subir. Ao chegar à recepção da empresa, no 8º andar, notou que a provável secretária do executivo estava na porta (eles não se conheciam pessoalmente), mas a mulher o ignorou e pareceu continuar aguardando outra pessoa. Ele, vestido de terno e gravata, entrou e aguardou no sofá. Depois de vários minutos, ele se identificou e a secretária se desculpou pelo equívoco. Era ele mesmo que ela esperava.
O mesmo consultor, certa vez, estava em uma sala de reunião com outros executivos e foi confundido com o “rapaz da informática” por alguém que entrou posteriormente. Esse consultor é negro e essas duas histórias reais são exemplos claros de discriminação que fazem parte do cotidiano dele desde sempre.
Faz tempo que venho pensando em como abordar a questão da inclusão racial e preconceito nas empresas, sem entrar necessariamente na discussão sobre cotas. Apesar de ter aumentado o discurso das organizações sobre a preocupação com a diversidade, sabemos que esse cenário está mudando a passos de tartaruga.
Além disso, a questão racial, dentro do tema desigualdade, é a que menos recebe atenção ao se comparar com mulheres, gays ou pessoas com deficiência (até porque, neste caso, as cotas são exigidas por lei). É importante se admitir que existe, sim, uma resistência cultural a programas voltados para inserção dos negros no mercado de trabalho.
Recentemente, a consultora e professora do departamento de psicologia da Universidade de Saint Louis escreveu um artigo bem interessante para a “Harvard Business Review” sobre a questão racial no ambiente corporativo. Especialista nessa área, a autora Kira Hudson Banks pesquisa o impacto da discriminação na saúde das pessoas e nas relações dentro das empresas.
Em seu artigo, chamado “How Managers Can Promote Healthy Discussions About Race” (ou, em tradução livre, “Como os Gestores Podem Promover Discussões Saudáveis sobre Raça”), Kira escreveu sobre a necessidade de se falar mais abertamente sobre o tema, embora esse diálogo ainda provoque certa ansiedade ou desconforto.
Ela apresenta algumas dicas importantes, que resumo aqui:
1. Faça da inclusão um investimento de longo prazo. Treinamentos e diálogos esporádicos, embora considerados “melhores práticas”, são rapidamente esquecidos e não promovem uma mudança sustentável. A mudança positiva vem a partir de treinamentos customizados e discussões regulares que se encaixam na estratégia do negócio e em sua visão de longo prazo. Quando as pessoas percebem que a inclusão racial está na lista de investimentos da empresa, o valor e a importância do assunto ganham outra dimensão.
2. Abrace e reformule o conflito. Discussões abertas sobre a raça têm o potencial para serem tensas, e ficar na defensiva é a maneira mais rápida para deter o progresso. Justamente por ser visto como um confronto entre empregados brancos e minorias, o conflito precisa ser reformulado como uma solução em busca do progresso necessário. O gestor precisa encorajar um ambiente aberto à aprendizagem e à auto-reflexão sobre como a identidade pessoal e social pode influenciar essas interações. Pesquisas mostram que funcionários são mais produtivos e exibem maior capacidade de resolução de problemas quando trabalham em grupos com diversidade.
3. Seja proativo sobre esforços de inclusão. Todo gestor deveria perguntar aos seus profissionais negros como a raça influenciou sua experiência na companhia, em vez de esperar situações de crise emergirem (ou ficarem escondidas). Algumas perguntas podem ajudar a coletar excelentes feedbacks, como: você já encontrou barreiras nessa empresa por questões referentes à sua raça? Que obstáculos já enfrentou nesse caminho para o sucesso? Há algo que você possa fazer para facilitar o seu sucesso e o seu sentimento de inclusão?
Como afirma Kira, o gestor tem de estar preparado para encarar a verdade. Mas se essas histórias não forem ouvidas e compreendidas, ninguém poderá fazer nada para ajudar a mudar a dura realidade.
(*) Vicky Bloch é professora da FGV, do MBA de recursos humanos da FIA e fundadora da Vicky Bloch Associados.
Fonte: Valor Econômico, por Vicky Bloch, 21.01.2016