Contratação de PCDs ainda é gargalo no Brasil; confira bons exemplos
Ainda são poucas as empresas brasileiras que alcançam o percentual de 5% de pessoas com deficiência (PCD) em seu quadro de funcionários – conforme exigência da lei nº 8.213/91, que completa 30 anos em 2021. Segundo a última Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), de 2019, há 486.756 PCDs trabalhando formalmente no país, o que representaria menos de 1% dos empregados.
A situação pode se tornar ainda mais complicada caso seja aprovado o Projeto de Lei 6.159/19, que permite que a contratação seja substituída pelo pagamento equivalente a dois salários mínimos a uma conta da União, que abastecerá uma programa de reabilitação física e profissional. Apresentado em 26 de novembro pelo governo federal, ele ainda está em tramitação na Câmara dos Deputados.
“Esse valor é muito baixo. A multa atual para quem não cumpre a lei pode ter um impacto significativo no balanço financeiro”, avalia Ivone Santana, fundadora do Instituto Modo Parités, voltado à inclusão social, especialmente de pessoas com deficiência. “A contratação da pessoa com deficiência não deve ser vista como um ônus, e sim como uma correção de uma exclusão histórica.
Ivone ressalta que a empresa não está fazendo caridade: está contratando um profissional que irá contribuir com a sua força de trabalho. E que poderá impactar positivamente os resultados. Um estudo de 2019 da consultoria de RH Michael Page mostra que empresas que constituem quadros de funcionários inclusivos veem um aumento de 19% em suas receitas. Outra pesquisa, da Mckinsey & Company, em 2017, aponta um valor parecido: cerca de 21%.
Algumas organizações já entenderam o recado. Três empresas que aceleraram seus projetos de inclusão conversaram com o UOL Economia sobre suas iniciativas mais bem-sucedidas.
Na Natura, aulas de LIBRAS para colegas ouvintes
A Lei 8.213/91 reserva diferentes porcentagens de vagas para PCDs de acordo com o tamanho da empresa. As que têm entre 101 e 200 funcionários precisam cumprir uma cota de 2%. Entre 201 e 500, 3%. Entre 501 e 1000, 4%. E, acima de 1000, 5%.
A Natura se encaixa na última categoria, mas foi bem além: já está em 7,2% (cerca de 350 colaboradores) e quer alcançar 8% até o fim do ano. Em seu centro de distribuição em São Paulo, pessoas com deficiência auditiva ou intelectual já representam 20% dos colaboradores.
“Sabemos que para garantir a inclusão, a capacitação dos colaboradores deve ser constante”, afirma Milena Buosi, responsável pelas iniciativas de diversidade e inclusão. Um exemplo é seu programa de apadrinhamento de deficientes auditivos, em funcionamento desde 2000: funcionários recebem treinamentos e aulas de LIBRAS para melhor integrar seus colegas com deficiência auditiva à rotina da empresa.
Milena reforça que a preocupação com a inclusão não pode existir apenas no momento da contratação. Ela conta com uma equipe dedicada integralmente à questão, que supervisiona, por exemplo, os projetos de novos espaços físicos da empresa.
O empenho tem dado certo: no ano passado, a Natura ela foi a quarta colocada no ranking mundial de Companhias Mais Diversas e Inclusivas, elaborado pela consultoria financeira Refinitiv, dos EUA.
Na RD, foco no potencial individual
Para Fernando Braconnot, consultor de desenvolvimento e diversidade do grupo RD, formado pelas redes de farmácia Raia e Drogasil, é importante também flexibilizar a carga horária e as tarefas assumidas pelos PCDs, respeitando suas particularidades e seus talentos.
“Se a pessoa se mostra habilidosa em atender os clientes, privilegiamos essa função e a ajudamos a desenvolver essa habilidade. Se ela demonstra ter preferência por atividades mais operacionais, privilegiamos a alocação e treinamento para funções que exigem mais foco e repetição”, explica.
A RD criou, em 2012, um programa específico para acelerar suas metas de inclusão e atingir a cota de 5% de PCDs. Hoje, são o 2.085 funcionários, dos quais 89% trabalham diretamente nas lojas. Cerca de 49% são pessoas com deficiência intelectual. “O importante é respeitar a capacidade de cada um e entender que sem diversidade não há inovação”, afirma Braconnot.
Barconnot ressalta que esse tipo de inclusão só funciona se toda a empresa estiver preparada. “Não basta simplesmente contratar. É preciso desenvolver a cultura organizacional apropriada”, aconselha. Alguns pontos críticos, por exemplo, são o processo de seleção, que precisa ser adaptado à realidade dos PCDs; a oferta de recursos de acessibilidade (como rampas, leitores de tela, etc); e a capacitação de gestores para compreender as necessidades do novo funcionário.
Quando falta esse tipo de atenção, a performance dos PCDs pode ser gravemente afetada, estimulando o mito de que “não dá certo” contratá-los. Mas a experiência de Barconnot tem se provado o oposto. “O importante é respeitar a capacidade de cada um e entender que sem diversidade não há inovação”, afirma.
Na IBM, intercâmbio entre executivos e PCDs
Para que os executivos brasileiros conheçam de perto a realidade de PCDs, a IBM instituiu a chamada “mentoria reversa”. “É uma ação de muito impacto sobre a cultura da empresa, porque utiliza storytelling para narrar os desafios e oportunidades que essas pessoas tiveram em sua vida pessoal e profissional”, explica Adriana Ferreira, líder de diversidade e inclusão para a América Latina.
A gigante de tecnologia já tem uma tradição consolidada na área. “No Brasil, podemos considerar que ações mais efetivas em prol da inclusão de PCDs começaram em 2003. Mas o profissional com deficiência que está há mais tempo na IBM já tem 41 anos de carreira conosco”, comenta Adriana.
A IBM não divulga números de funcionários, e portanto não expõe seu percentual de PCDs. Porém, em 2018 foi contemplada pelo governo do estado de São Paulo com o prêmio Melhores Empresas para Pessoas com Deficiência.
Fonte: UOL, por Nicolas Brandão, 11.08.2020